sábado, 22 de fevereiro de 2014

Todo homem trai?

Todo homem trai? A fidelidade é impossível?


Meninas, vocês sabem que uma mesa de bar é sempre um palco.
Correm ali, sobre o pano, entre os copos, o saleiro, o paliteiro e as porções, as maiores sagas, as grandes odisseias.
Há sempre um início, um meio e um ápice. Depois, a conta.
Vejam vocês, então, que dia desses, numa dessas mesas, um grupo de amigos se reuniu.
Homens e mulheres.
A conversa, andando no ritmo da birita, que corria alegre, foi acelerando e, ao acelerar, mudou. Da farra, da galhofa e da blague, uma nuvenzinha de emoções começou a ameaçar aquele horizonte cheio de bandejas e garçons. Os rumos da conversa ganhavam contornos de drama e de grandes verdades.
Um rapaz amigo, que vinha calibrado por umas cinco canecas de chope, pediu a palavra – o que, vocês sabem, num bar quer dizer o seguinte: ele começou a falar mais alto do que a concorrência fraternal.
Ele queria contar seu caso. Soava toda uma urgência no pastoso de sua voz; voz que, forrada de canjebrina, ganhou um impulso de proclamação.
Disse ele:
- Traí! Traí sim!
Bateu na mesa e prosseguiu:
- Não sei por quê. Mas traí! E agora é essa lama, essa lama… Saí de casa, ela não fala mais comigo, a família dela me odeia, os amigos, uma merda completa…
Fez-se, obviamente, o silêncio em derredor.
Engraçado o homem diante da grande confissão, meninas.
Diante da grande confusão, a gente fica solene. Fica encolhido. Escreve até “derredor” querendo dizer “em volta”.
ENTÃO, A PERGUNTA: VOCÊ JÁ TRAIU?
Diante da grande confissão pública, há como que um corte no tempo. Como se diante de uma dor especial, de um momento especial, a gente precisasse de tempo ou de desculpa para evaporar. Como se precisássemos dizer alguma coisa, qualquer coisa, que resolvesse a questão diante de nós. Ou esperar que alguém diga.
Enquanto nosso cérebro percorre o vácuo, em busca dessa palavra salvadora ou de um voluntário, faz-se o silêncio constrangedor.
O rapaz, diante do silêncio, prossegui:
- … uma merda completa. É! É! Não sei por que fiz isso, mas fiz, me pegaram, e agora é isso: uma merda completa. Mas também… A verdade é que ninguém presta, eu não presto, mas quem aqui não deu uma dessas? Ou não pensou em fazer isso? Vai lá… Digam aí. Quem?
Ah, meninas, o silêncio desfez-se em negativas. Uns disseram que não era bem assim, outros pediram calma, uns perguntaram se o rapaz estava bem, uns seguiram em silêncio.
O rapaz amigo engatou uma marcha de verdades e confissões, meninas. Ele ainda queria dizer mais.
E disse mais:
- O que separa isso que eu fiz daquilo que todo mundo fez ou faz? Hein? Sabe o que eu acho? Eu acho que não é possível ser fiel. Que fidelidade é a maior das invenções. Impossível ser fiel! Impossível! Todo homem trai, todo homem traiu, todo homem vai trair. E não pensem que somos os únicos! Ah, não pensem não… Vocês mulheres…
O rapaz distribuiu o indicador pela mesa:
- … vocês mulheres também não tão nada atrás. É só mais dissimulado. Vocês vejam que um colega lá do trabalho ficou meses em depressão porque no dia seguinte em que a namorada pediu a ele um tempo, ou sei lá o que, foi vista aos beijos numa festa cheia de amigos dele… E aí? Ela tá errada? Sei lá. Sim ou não? Sei que ele ficou arranhando o fundo do poço.
E ainda havia um chorinho de desabafo:
- Por que a gente não assume logo que essa conversinha de namoro, casamento, relacionamento é só um jeito de a gente se enganar? Que a partir do momento em que a coisa começa, é uma questão de tempo até que acabe. Ou não é? Por que a gente não aprende logo que deveria curtir enquanto dura, mas sem esse drama todo de que o normal é durar pra sempre? Por que é que a gente promete que vai ser pra sempre? Por que é que a gente espera que seja para sempre? Diz aí quem só namorou uma vez? Hein? Se todo mundo j;a namorou mais de uma vez, taí, tá provado! Porque quando começa, a gente acredita que vai ser eterno, que desta vez penduramos as chuteiras. Mas não é! Quem aqui já namorou mais de uma vez, tomou ou deu um fora, sabe que o amor é inviável! Vai acabar! E vai acabar como? Em merda! Em traição, quase sempre… Ah, viu… Que diabos. Quem aqui já não terminou um relacionamento? É só isso que eu quero saber. Quem aqui não traiu ou acha impossível isso acontecer? Hein…? Hein…?

A RAZÃO DO AMOR
Ah, meninas, do silêncio brotou um lindo e dolorido caos de vozes e opiniões e agressões. Houve quem ouvisse. Houve quem rebatesse. Houve quem brigasse. Houve quem deixasse sua parte da conta e se recolhesse, rumo a não sei quais ruminações.
Enfim, meninas. Disse tudo isso o rapaz e eu fiquei a pensar.
Há alguma razão nisso que ele diz.
Me parece mesmo que há lógica.
E que, de fato, o amor não anda fácil.
Faço as contas. Percebo toda uma infinidade de ex-casais se encontrando, se evitando, se odiando. Eu diria até que existe uma quantidade maior de defuntos amorosos e ex-casais do que namorados e casados felizes e duradouros e de mãos dadas no parque.
Sei disso tudo.
Sabemos todos.
Ah, meninas. Há, sim, alguma razão no que ele diz.
Mas foi aí que me veio o estalo.
O amor nunca foi lógico. Nunca foi fácil. Nunca foi nada. E nunca foi um só.
O amor é tanta coisa.
O AMOR ENTRE OS COPOS
Na mesa, me pediram uma opinião.
E a minha opinião foi:
Você tá certo, tá certíssimo, e porque tá certo, tá certíssimo, tá errado.
Eu sei lá que raios é o certo. Eu não faço ideia se trair ou não trair é uma opção.
Eu mal conheço quinze pessoas profundamente. E mesmo com essas quinze pessoas, aprendo tanto, me surpreendo tanto.
O fato de um amor que se anunciava eterno um dia acabar em briga ou traição, prova muitas coisas. Não sei quais coisas. Mas sei de uma: prova que o amor é uma completa maluquice. E que é maior do que a gente.
E que estamos fadados a amar.
FAZER O QUÊ?
Faço um carinho agora e à distância nesse meu amigo que bebeu e falou demais.
E só posso lhe dizer o seguinte: não adianta. Não adianta. Vai passar, vai passar.
Você pode tentar, pode acreditar, pode planejar controlar o amor.
Vai apanhar sempre.
Mas é paulada que se toma sorrindo. Às vezes, chorando.
Prevejo abaixo alguém dizendo: “falou, falou e não disse nada, hein. Afinal, João, não enrola: a pergunta é: todo homem trai?”
Eu direi: sim, todo homem trai, e não, nem todo homem trai.
Se trair for algo físico, eu direi que nem todo homem trai. Conheço alguns que antes de cogitar o ato hediondo, pulam fora. Assim como conheço outros que traem para ter o impulso de pular fora.
Mas vejam que complexo e que bonito: conheço um homem que com aquela moça, foi uma flor de fidelidade. Um dia, a flor murchou, eles terminaram sei lá por qual motivo, e a vida correu até que ele conhecesse outra e, com esta outra, ele aí sim tivesse um impulso de pular a cerca. E mais: diante do impulso, ele não ficou só no impulso.
Fiel com uma, infiel com outra.
Meninas, no homem e na mulher cabem 512 homens e 512 mulheres.
E porque cabem multidões na gente, o amor ideal é sempre possível a cada renascimento.
A cada fim, um choro. A cada início, um riso.
Fora isso, eu disse aí pra cima e digo de novo aqui ao lado: o amor é maior do que a gente. Ou esse mesmo amigo aí de cima, que agora sofre tanto porque traiu, que agora não vê luz, que é todo trevas e traição, que se pune, com todo o direito e com todo o dever, esse amigo, um dia, com o correr do tempo e da vida, diante de um sorriso especial, de um calor no coração, de um encontro na esquina, esse amigo, diante do inesperado, ele não só voltará a rir como, no mais íntimo, não voltará a acreditar que agora vai, que agora sim? Não?
Pois eu digo que ele vai.
E quando for, quando o amor lhe capturar novamente, ele acreditará em tudo, em tudo!
E sorrirá.
Ah, meninas.
Nem todo homem trai.
E todo homem trai.
O amor é assim.
Não ter resposta é toda a resposta possível.
Há tão pouco a fazer diante do amor.

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LEANCY

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